terça-feira, 7 de setembro de 2010

De moeda em moeda

Estes dias, ao visitar determinado shopping, em determinada loja de material esportivo, deparei-me com belo tênis, de boa marca (a chamaremos de marca F) a 79,90 reais (ou valor com estes ridículos centavos sobre o algarismo 9), que arredondaremos para 80 reais.

Como este valor era pequeno, cheguei a iniciar o processo mental (e sempre o ato econômico o é) de uma compra por impulso. Mas mal iniciou, recordei-me que possuo um número significativo, diria excessivo, de pares de tênis. Mesmo sendo o valor de forma alguma pesado no meu orçamento, e como digo, requerendo apenas cortar umas 16 cervejas ao longo de uns dois ou três meses, no que ganharia até saúde, resolvi abandonar esta compra. Devemos aqui apontar que os 80 reais continuaram no meu bolso, e as cervejas, ao longo de dois ou três meses, ainda não foram bebidas.



Complementando esta história trivial, devo destacar que é observável que as diversas marcas "de topo" de calçados esportivos, as chamemos A, F, N, P e R; sempre colocam nos seus distribuidores ofertas, na atualidade, numa faixa de 150 reias. Noutras palavras, dispondo-se de 150 reais, sempre sai-se de uma loja com um tênis destas marcas líderes.

Os modelos de topo destas marcas flutuarão acima de 300 reais, e irão até 800 reais, digamos (estes valores, no que apresentaremos, pouco interessam). Então, pelo valor de 300 reais (mais que razoável), levará a que quem compra um tênis na faixa de 150 reais manter em seu bolso 150 reais (desde que, obviamente, disponha também de 300, no início do processo de compra - o primeiríssimo passo de todo projeto é a provisão).

Então, um consumidor que realize uma operação de economia banal como esta, seja em 10 ítens diferentes, seja em 10 vezes do mesmo ítem de consumo (por exemplo, 10 tênis ao longo de 5 anos, nada de anormal), 'imediatamente' , na décima compra, terá uma reserva de 1500 reais, ou, ao longo de, como colocamos, 5 anos, terá disponíveis 1500 reais, e aqui desprezaremos ganhos em juros.

Com estes 1500 reais poderá adquirir uma televisão LCD, ou um bom home theater, ou, mais que importante, qualquer coisa do valor que desejar, ou ainda mais imprtante, qualquer coisa que necessitar, seja em bens, seja em serviços.

Mas avancemos sobre trivialidades financeiras, com outro caso, a partir de um diálogo com o filho de um amigo.

Similarmente, um consumidor que possua uma moto, digamos de valor original de 15 mil reais e tenha o desejo de trocá-la por uma mais sofisticada.

Nota: Notemos que o valor, aqui, multiplicou-se absolutamente por 100, e em termos de custos, quase sempre, pouco interessa a natureza do valorado/calculado, mas sim, o valor. Noutras palavras, num cálculo financeiro, pouco interessa que sejam 100 pares de tênis ou uma moto, igualmente, serão 15 mil reais, com seus ônus certo sobre o caixa e o talvez bônus da aquisição que deste gasto resulte.

Para tal, colocaria esta moto a venda (o vulgo "dar de entrada") e financiaria outra, do dobro do valor, em digamos, 60 vezes (mais uma vez, 5 anos). Com isto, ainda que sua atual moto seja considerada como sendo nova, e valendo 15 mil reais (hipótese por si só um absurdo), ainda teria um saldo a liquidar de 15 mil reais, os quais, com misericórdia por uma contra-argumentação, considerarei que pagarão pelos 5 anos mais 50% de juros totais, elevando o preço do bem para mais 15+7,5=22,5 mil reais. Mas sejamos ainda mais misericordiosos, e coloquemos 33% de juros (no exato, 1/3 do valor pelo período), e somemos só 20 mil reais.

Notemos, rapidamente, que cobrimos 50% do valor a pagar à vista, mesmo nas hipóteses forçadas que colocamos, e ainda devemos 66% (2/3) por pagar.

Sinceramente, custo demais por tempo inútil. Então, banalmente, recomendei que o filho de meu amigo poupasse durante 5 anos, incorporasse os juros ganhos para, digamos, um tocador de mp3 (pois aqui, apresento sempre técnicas de marketing, associando um desejo com outro, visando causar, na verdade, um desejo de compra, a "angústia do não ter") e sem mínimo sacrifício sobre o projeto original - tirando, obviamente, o tempo de espera - trocasse exatamente pela mais atual moto, com o maior ganho no período, com os menores custos. Lembrando que desprezamos, sejamos honestos, a manutenção, mas lembrando que em contrapartida, uma moto nova também os terá, e se de valor mais alto, estes serão de correspondente valor mais alto. Existem variações mais intrincadas e delicadas nestes quesitos. Ou alguém, "cartesianamente", dirá que a manutenção de um fusca 1980 será sempre mais alta que um BMW do ano passado?

Recebi como alternativa, no meio deste diálogo, o argumento que poderia entrar num consórcio coligado com a revenda da moto, e ser sorteado. Claro que o alertei, que ao menos que eu esteja enganado (modo ironia ativado), aquele que é sorteado num consórcio, além de ter de pagar as taxas de administração e invariavelmente juros no tempo (e estes sempre são no tempo, e se tempo existe, sempre serão cobrados), ao ser sorteado, ainda terá de quitar o bem sorteado, pois consórcios não são loterias.

Mais saiamos dos custos, e vamos para as receitas, as fontes do caixa.

Este meu amigo, cujo filho possuia (lembrando: o convenci!) tais desejos de consumo, possui um hotel (entre outras fontes) no segmento popular, com diárias na faixa mais baixa do mercado da região, iniciando por diárias de 20 a 25 reais, por quartos com banheiro no corredor. Mesmo com negócio com bastante seletividade (embora sejamos claros, exista mercado para tudo), e operando basicamente com trabalhadores de empresas, como chamo "chão de fábrica", de manutenção e instalações, resolveu partir para uma remodelação deste negócio levando-o a quartos com banheiros individualizados, para cada quarto, seguindo orientação da secretaria da indústria e comércio da cidade em questão, para o bairro em questão. No termo, 'uma adequação'.

Para esta adequação, desativou, inicialmente, digamos 5 dos então quartos, e iniciou-lhes reformas. Esqueçamos que tal reforma implica em custos. Estes 5 quartos, a não estarem ativos, implicam em até 100 reais por dia de não faturamento, não implicando a ocupação média anterior. Considerando uma ocupação média que nos leve a 50 reais por dia, ao final de uma inatividade média de 5 quartos sob reformas durante 30 dias (um tempo até curto para um reforma desta escala) teremos um não 'caxeamento' de 1500 reais. Logo, como afirmei para este meu amigo, esta reforma, esquecendo-se 'patologicamente' os seus próprios custos, resulta no mesmo que pegar uma TV LCD e levá-la para a calçada, ateando-lhe fogo.



Logo, por todos os ângulos, as TVs de LCD podem ser compradas, assim como qualquer coisa, de moeda em moeda. Como já disse, prefiro as contas simples e claras.

Mas no que interessa estas histórias e casos "domésticos" para uma visão mais macro de economia, ou mesmo nossa vida econômico-política.

Copie os fragmentos de textos acima, substitua tênis por trens, quartos por logísticas de estradas, portos e aeroportos, acrescente 6 zeros ou mais, e terá os mesmo números e questões que flagelam o país, nos gargalos da infraestrutura, nos gastos com pagamentos de juros, que levam à incapacidade de investimento, o crescente deficit das conta públicas, os salários crescentes exigidos pelas categorias mais altas do estado, e teremos as mesmas respostas, e no não seguí-las, os mesmos problemas, e mais cedo ou mais tarde, como tratei no texto anterior, "certo dia chegará", e advirá a inoperacionalidade, que pode ser proporcional - na escala nacional - ao tênis que não se compre quando se necessite, a entrega da moto não paga, o atraso na conta de água de um pequeno hotel popular, ou, pelos mesmos zeros acrescentados, a compra de vacinas que não se efetuará, a não cessão de crédito numa compra externa, até a apreensão de uma carga, o corte de um fornecimento de uma matéria prima, ou mesmo, a exigência de imprimir-se ou digitar-se dinheiro sem correspondente riqueza gerada.

Inclui-se, aí, como iniciativa perigosa, a reativação da "conta movimento", tentando-se, por malabarismos contábeis, gerar crescimento totalmente baseado em promessas, ou crédito, como se queira, e não em fatos sólidos.



Prefiro, sinceramente, escolher não comprar um tênis (pode substituir, se a escala for a necessária, por um trem), ainda que este me agrade e implique apenas em tomar menos cervejas, por alguns meses (pela escala, pode substituir por gabinetes de senadores com dezenas de acessores). Ou, para comprá-lo, quando este for necessário, juntar moeda a moeda. E nisto, não necessitamos substituição alguma, em qualquer escala.

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