Emblemática foto de Nelson Antoine/Foto Arena/AE
Os recentes acontecimentos no Jardim Pantanal (só o nome já dá um retrato perfeito do problema) apresenta um conjunto de questões das ocupações urbanas brasileiras e de sua economia.
1.Migrantes pobres ocupam ilegal e irregularmente (como se as duas coisas não fossem sempre associadas) regiões desocupadas, que eram até então desocupadas principalmente por não serem fácil e economicamente habitáveis (e as duas coisas normalmente são associadas).
2.Prefeitura contrói conjuntos habitacionais e provê infraestrutura nestas regiões.
3.Dado que proveu infraestrutura (pelo menos num nível aparente) por este agora civilizado espaço cobra impostos.
4.Na primeira intempérie (e aqui, pouco me interessa tratar no momento que seja tal fruto de mudanças climáticas) a infraestrutura se mostra limitada a um planejamento apenas para um quadro ótimo (aquele no qual desconsidera-se qualquer risco).
5.Dado o quadro de tragédia, espera-se (contando mais uma vez com o quadro ótimo) que a natureza resolva o problema por si (coisa que a história tem mostrado que não ocorre, ainda mais sob a marcha entrópica da natureza, que abomina/elimina o que chamamos de obras, progresso, civilização, etc).
6.Nem procura-se em meio à tragédia, apresentar ao menos soluções paleativas, como bombeamento temporário, drenagem, canalização, início de obras para conter-se, mas apresenta-se algo denominado "realocação".
Prefeitura de SP vai remover famílias de áreas alagadas - Famílias atingidas receberão bolsa aluguel para deixarem suas moradias
Aqui, tenho de perguntar então, para que a "infraestrutura implantada"?
Lembrando, embora óbvio, que toda a mudança de traçado em um projeto (e cidades o são, numa definição ampla e profunda, ainda que milenares) ocasiona incremento de custos, logo, futuro implemento de receitas, e portanto, aumento de tributos, e estes, para serem cobertos, exigem geração de riqueza, logo, mais trabalho.
Guardemos que agora teremos, ou "realocados", ou "adaptados a novos paradigmas" (ou expressão igualmente corrompida, que represente os que habitem numa exótica Veneza, cercados de esgoto diluído em rio poluído, por todos os lados), e estes dois estados não implicarão de forma alguma em não surgirem novos migrantes.
Impacto Ambiental
Ouvi hoje na Band News FM que reuniram-se, incluindo o ministro dos esportes (não me perguntem com que finalidade) para discutir ampliações no aeroporto de Viracopos, devido à Copa do Mundo de Futebol.
Outro conjunto de questões:
1.O aeroporto tem de ser ampliado, não interessa se será para a entrega de um Oscar em Santa Bárbara do Oeste.
2.Não tem de se "discutir" sua ampliação, tem de se executar um projeto de ampliação. Tal é questão de engenharia, seja ela qual for.
3.Sem recursos disponíveis hoje em caixa, pouco interessa que tenha uma ocupação irregular no local onde será feita a pista, impacto ambiental coerente ou não (já abordo este ponto), "salões e lojas, restaurantes e cinemas" a mais (o lendário "shopping com pista nos fundos", dos pilotos - que é normalmente dito "...com pistinhas nos fundos").
Sem recursos, e ação sobre estes, não se construirá conjuntos habitacionais para os invasores, há muito plenamente estabelecidos (aliás, em condições melhores que os de Jardim Pantanal).
Sem recursos, e ação sobre estes, não se removerá seguramente exóticos jequitibás, ou sabe-se lá que gambás raríssimos, e tampouco deixarão de entrar em vilas onças pardas, ou cobras.
Sem recursos, e ação sobre estes, não haverá nem uma poltrona a mais nas atupetados salas de embarque subdimensionadas que todo mês frequento.
Sem recursos, e ação sobre estes, aliás, é universal que todo sistema não submetido à ação racional tende ao caos, máxima da Física aplicada à Administração.
E com recursos ou sem, com ação ou sem, o transporte aéreo continuará a crescer acima do crescimento vegetativo da população, acima do crescimento da média da logística num quadro mais geral e acima da economia (e tal é mundial, por convergência, e a busca da eficiência é o maior dos motores de tal processo).
Agora, retornando ao ambiental, por favor, não sejamos ridículos.
O que mais conduz ao impacto ambiental numa grande obra, como um ruidoso aeroporto, uma grande fábrica (excluída desta análise a questão se produz ecológicas sandálias de palha ou perigosíssimos compostos de mercúrio) ou um civilizado shopping center em seu estacionamento (um dos focos da discussão em Viracopos), seja ele horizontal ou vertica, ou ainda subterrâneo, não é a obra em si, e sim, a pressão que está sendo exercida no ambiente por, somente em São Paulo, milhar de carros emplacados por dia.
Pouco interessa se vão ser colocados em área, empilhados em edifícios ou escondidos discretamente em baixo da pista. Ainda sim, queimarão toneladas de combustível e produzirão tonaladas de compostos (e tais não são agradáveis como nossas hipotéticas sandálias de palha).
Logo, não adianta discutir o estacionamento como impacto ambiental ou impecilho para a inexoravelmente necessária ampliação do aeroporto de Viracopos. Tem-se decombater, antes, a principal causa do impacto ambiental, e se vai ser este populoso impacto colocado num ecológico prédio, pátio ou subsolo, é questão posterior, pois se não for construída nenhuma destas ecológicas e perfeitas garagens, os não ecológicos automóveis vão ser enfileirados nas não ecológicas estradas e seus acostamentos, e vão continuar gastando combustível e produzindo poluição e talvez aquecimento global, passando em cima de raros gambás ou atropelando migrantes onças, esperando vagas para levar e trazer pessoas (e parece que estas não podem ser reduzidas) das apertadas ou então amplas salas de espera.
Bolsa Família (sem "próximo passo")
Recomendo, para mais fotos como estas, ver o trabalho de Pedro Martinelli em Veja
Muito bem, sou keynesiano até as moedas na niqueleira. Motiva-se população até cavando buracos e depois os recobrindo.
Mas não adianta coisa alguma esmola (e este é o exato termo) sem o próximo passo na direção de geração de renda (aqui, Confúcio já representava magistralmente a questão com o "ensinar a pescar").
Sem uma construção permanente de geração de riqueza, no que defino como "construção de fatores geradores"*, uma população que recebe um complemento de - senão apenas a única - renda, apenas tomará tais valores e os repassará a quem lhe fornece mercadorias e serviços, e concentrará renda em ciclo permanente (sustentado por estado provedor, não fomentador e controlador), perpetuando pobreza.
*Se aqui quiserem colocar pupunha, caju, dendê, babaçu, fábricas de TVs de LCD ou apenas calçados populares, pouco interessa.
Como a pobreza não me parece atrativa, gerará migração para onde possível (que é sempre preferível na riqueza que o certo na pobreza) renda possa ser obtida.
Como habitarão pobres não onde, como disse lá no início, seja fácil e economicamente habitável, buscarão novos "Jardins Pantanal". Aliás, como em Campinas, no mesmo dia, nas notícias locais da mesma rádio afirma-se, reclama-se que ocupam margens de córregos (talvez, inclusive, onde no futuro seja necessário construir um segundo aeroporto, ou algo do mesmo porte e necessidade).
Tal como os ciclos climáticos, este ciclo se perpetuará, tão simples e claramente quanto isso.
mt62.spaces.live.co
Um adendo: existe uma falácia recorrente de que ao ceder-se valores, pais e parentes de crianças colocadas em atividades terríveis e completamente inviáveis como quebrar basalto para produzir brita sem nem ao menos adequadas ferramentas, contando com a força de suas mãos e braços, irão ser retiradas de tal desgraça (mais uma vez, o termo adequado é este) pois a renda da família agora é suficiente. Sim, parte será retirada. Mas parte, será lá mantida, para aumentar a renda da família.
Esta falácia, e muitas outras similares, parte do absurdo que o ser humano seja intrinsecamente bom, inclusive com seus mais próximos, mesmo sob relações de parentesco, e que contenha-se em seus desejos de consumo, ou ambições.
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