Economia não é Contabilidade. Contabilidade é maravilhosa para tratar "fatias de tempo" extremamente estreitas, "instantes", o que numa modelagem matemática seriam ambientes de pouco fluxo, na minha linguagem de engenheiro metido no campo.
Isto pode ser rapidamente entendido quando se imagina um bando de pobre coitados chegando em seu naviozinho apenas com ferramentas e conhecimento (Trabalho e Capital), frente a uma imensa natureza (o mais fundamental dos entes econômicos*), e muitos anos após, constituindo a mais poderosa das nações da Terra.
Isto é Economia. Contabilidade trata de trocas e variações de patrimônio em cada momento deste tempo inteiro, relação a relação, pessoa a pessoa, razão a razão.
Pois bem, feito esta chatíssima introdução, tratemos do meu ponto.
*Par quem discorda de tal afirmação, tete imaginar a mais motivada das forças de trabalho, com os maiores recursos de capital, sem nem mesmo o ambiente onde possam se estabelecer, mesmo sem considerar "recursos da terra", sejam minerais, água doce ou mesmo produtos agropecuários. Ambiente é onde todos e tudo está, e tal é uma obviedade, e ambiente é apenas propiciado pela natureza.
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O governo tem colocado desonerações como uma política de conter inflação. Lindo, maravilhoso. Por enquanto.
Claro que um bem que faz parte do índice inflacionário (e na verdade todos devem fazer) quando custa num momento 100, tendo carga tributária de 10, e passa a custar 90, leva o índice de inflação para baixo. Momentaneamente. Antes, se ia subir para 110 mas pela desoneração reduziu-se para 99, manteve a inflação por esta “pressão” que causa variação de -1 em seu preço.
O “pequeno problema” é uma “partida dobrada” de contabilidade. Estes 10 antes arrecadados deviam ir parar em alguma rúbrica, no jargão contábil. Ou seja, por exemplo, no tratamento do câncer da mãe de sua empregada doméstica ou na calçada que você pisa quando sai pelas ruas.
Percebamos que agora este valor específico (de um “local”) não existe mais. Então, para cobrir o custo que é o medicamento (digamos), o inexorável no tempo salário do médico, ou a sempre em degradação calçada, tem de surgir a sua partida de outro ponto do cenário econômico, como de sua passagem aérea, ou do valor de imposto sobre seu imóvel, cobrado pela sua prefeitura, ou por fim no preço da sandália de borracha barata do mais humilde trabalhador e de seus filhos, e assim em imensa escala de combinações, na imensa teia que é a economia.
Simples, claro, inegável, pois contábil.
Lembrando nossa chata introdução, econômico é quando propicia-se mecanismos de produção barata de casas com determinados materiais, em determinada região, ou fábricas de determinados bens, prestações de determinados serviços, ou abre-se os portos para importações de determinado ítens, buscando impactar os preços de determinado segmento, baixando seus preços à população, e em contrapartida, propicia-se empregos por diversas vias aos desempregados sempre resultantes. Entra sempre os fluxos a que me referi, e a variável tempo, e valores que antes não estavam em rúbrica alguma, pois a questão deixa de ser o instantâneo contábil.
Mas voltemos aos 90 restantes do bem que foi desonerado. Inflação não é somente preço, mas antes do preço, que é o que vem à tona, o valor da moeda de troca (perdão pela no fundo redundância), sua comparação com o imenso sistema de trocas representadas pela confiança que se tem numa “mercadoria universal”, um “representativo de contratos de mútua confiança”.
Daí que a pressão por elevação do valor de representação (o preço na “moeda tal”) continuará a se elevar, seja pela falta de oferta e o implacável e sempre ganancioso (ainda bem) mercado, seja por pressão de custos de outros ítens e suas ofertas ou da própria pressão do estado para cobrir o que desonerou.
Logo, os desonerados 90 passarão a ter de ser colocados ao mercado como 99, e de 99 logo em quase 109, agora, infelizmente, não haverá desoneração possível sobre o mesmo item, ou se há, mais adiante não poderá haver, pois chegará um momento que não haverá, por simples aritmética simples, carga tributária a se cortar.
Esqueçamos que o governo é deficitário, e este instrumento por si já seja limitado. Ainda que fosse superavitário, chegaria o momento em que seu caixa seria, no linguajar típico, apertado, e entraria já num amarelo que exige prudência.
Portanto, e parece-me cristalino, desonerações podem conter os índices crescentes de preço, mas não contém isolados o processo inflacionário, que é econômico, e tem raízes até no já colocado estado deficitário, e em sua insustentável remuneração com juros de titularidades do que toma, ao final imprudentemente, pois apenas cobre, massivamente, despesas correntes, sem taxa de retorno e expansão da riqueza gerada alguma.
A estratégia já nasce morta, e quanto muito, é um paliativo tático extremamente limitado no tempo.
Nenhum mentiroso tem uma memória suficientemente boa para ser um mentiroso de êxito.
- Abraham Lincoln
Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem. - M. Proust
Recomendações de leitura
- Economia – "o outro lado da moeda" - Choque de oferta e inflação - luisantoniolicks.wordpress.com
- Sidney Richard Sylvestre; Choques de oferta e inflação - www.mises.org.br
Extras
1
nothingbox.com.br |
- Sobre truques fiscais e a contabilidade criativa - Blog do Mansueto Almeida
2
Fala do filme "Trama Internacional" (IMDB, Wiki)
"[...] Their objective isn't to control the conflict, it's to control the debt that the conflict produces. You see, the real value of a conflict, the true value, is in the debt that it creates. You control the debt, you control everything. You find this upsetting, yes? But this is the very essence of the banking industry, to make us all, whether we be nations or individuals, slaves to debt."
Numa grosseira tradução minha:
"Seu objetivo não é controlar o conflito, é controlar a dívida que o conflito produz. Veja, o valor real de um conflito, o verdadeiro valor, está na dívida que ele cria. Você controla a dívida, você controla tudo. Acha isto perturbador, não é? Mas esta é a essência da indústria bancária, para fazer a todos nós, quer sejamos nações ou indivíduos, escravos da dívida."
3
Sobre as previsões do governo e as limitações que já enfrenta em seu modelo, especialmente, investimento em infraestrutura e poupança interna:
"[...] Their objective isn't to control the conflict, it's to control the debt that the conflict produces. You see, the real value of a conflict, the true value, is in the debt that it creates. You control the debt, you control everything. You find this upsetting, yes? But this is the very essence of the banking industry, to make us all, whether we be nations or individuals, slaves to debt."
Numa grosseira tradução minha:
"Seu objetivo não é controlar o conflito, é controlar a dívida que o conflito produz. Veja, o valor real de um conflito, o verdadeiro valor, está na dívida que ele cria. Você controla a dívida, você controla tudo. Acha isto perturbador, não é? Mas esta é a essência da indústria bancária, para fazer a todos nós, quer sejamos nações ou indivíduos, escravos da dívida."
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Sobre as previsões do governo e as limitações que já enfrenta em seu modelo, especialmente, investimento em infraestrutura e poupança interna:
- Celso Ming; O copo quebrado, 2 de março de 2013 - blogs.estadao.com.br
- Celso Ming; A chuva e o guarda-chuva , 2 de março de 2013 - www.estadao.com.br
4
Clássico:
- Hans F. Sennholz; Manipular juros não gera crescimento econômico - www.mises.org
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