terça-feira, 22 de maio de 2012

Partidas dobradas e bolhas estouradas



Algumas rápidas observações:

1. Queremos consumo, queremos investimento, mas não formamos poupança, a partida dobrada da capacidade de ceder crédito.

2. Queremos "ambiente", por exemplo, no rural, mas fomentamos o consumo de automóveis, e estes, movidos a combustíveis fósseis.

3. Fomentamos combustíveis fósseis pois o faturamento da dominante empresa estatal, concentradora de carga tributária, opera neste setor, obviamente.

4. Fomentamos endividamento (partida dobrada do tomar crédito) para a aquisição de imóveis, correlatamente com o mercado considerar que uma curva crescente permanentemente de preços dos bens vendidos seja possível.

5. Medidas "pingadas" de redução de impostos e liberação de crédito produzem "espasmos", mas jamais podem ser aquilo que tornou-se jargão, o "sustentável".

6. Falando em jargão, o quesito "mobilidade urbana", relacionado intimamente com o real investir em infraestrutura e em permanente conflito com o vender-se veículos, é a estagnação que vemos por nossas janelas.

7. Quer-se fomentar crédito nos bancos, com juros ditos "baixos", esquecendo-se que o volume de juros totais altos tem ligados inquebrantavelmente carga tributária alta, por nossas peculiaridades de tributar empréstimos. Ou seja, reduzir juros tem a partida dobrada de reduzir carga tributária. Detalhe: em estado deficitário, que necessita sempre de entrada de recursos.

8. Num mercado que reduz seus custos pelo aumento de escala, que está sempre sobre a navalha entre gastos e receitas, nossas econômicas companhias aéreas reduzem suas frotas [1], num mercado que cresce até 15% ao ano.[2] 



A função das previsões econômicas é dar à astrologia uma aura de respeitabilidade. 
John Kenneth Galbraith


Referências




Anexos

Alguns comentários soltos por aí:

I

Comentário genérico, adaptável a todas a qualquer blogagem sobre bolhas de crédito:
John Kenneth Galbraith, Crônicas de Um eterno Liberal, sobre golpes (“esquemas pirâmide”):

Os golpes colapsam por um ou combinações de três motivos:

1) Em número de vítimas.
2) Em valor por operação.
3) Em velocidade exigida da circulação para as operações (em suma, em tempo)

Só lamento, plano de governo populista e desenvolvimentista: “CABÔ-SE!”

( Para os "iniciados", PLOC! )



II

Problemas maiores: confundir “comprar” com “ter”, relacionado intimamente com a confusão de “dar” com “propiciar condições”.

( Pior mesmo é o achar que a capacidade de investimento não tenha identidade com a capacidade de poupança, mas não dá para se exigir muito de quem acha que vai sustentar economia com incentivos de consumo baseado em crédito… )


III

"Comprar" não é "ter". Eu posso perfeitamente hoje, já, "comprar" um jato executivo de milhões de reais, para não ter que comer amendoim, agora pagando, em voo de poltrona apertada de nossas companhias aéreas de baixo custo. 

Ah! O pagá-lo, aquela coisa (uma partida dobrada do alguém me entregá-lo) que propiciará o tê-lo, é outra questão...

Em contrapartida ( e partida dobrada novamente) o receber o dinheiro pelo vendido, é a situação espelhada de minha questão de comprá-lo e pagá-lo.


IV

Mal termino o acima e ...

“Não há sobre-endividamento, isso é um mito”, afirma Octávio de Barros - exame.abril.com.br


Sim, não há sobre-endividamento…

Uma família que se enterrou num imóvel “ovo” de 400 mil reais (exemplo por baixo) que significará 2000 reais a menos de sua renda numa aposentadoria, com o mais rentável os investimentos num futuro estável, tem prestações totais maiores que 30% de sua renda mensal, nestas comprou algo tão durável e perene, gerador de magníficas receitas como “um celular”, está pagando seguro para o automóvel que na verdade aluga frente a sua depreciação, sem falar das próprias despesas deste, paga seguro de vida* e com tudo isto, anulou completamente sua capacidade de poupança, não está, do ponto de vista mais profundo, sobre-endividada.

* Nossa dita “classe C”? Ele tem certeza do que está falando? Houve tempos que os gastos com celular fizeram cair o volume de consumo de amaciante de roupas. Estamos vendo um milagre da contabilidade e eu não sabia!

Tudo isso num cenário que tudo funcionará, como sabemos, idealmente, pois ninguém tem doenças, acidentes, sinistros variados e demissões, pois sabemos que o mundo real é inquebrantavelmente funcional, logo, não se necessita de reserva alguma para coisa alguma!

Claro, claríssimo, cristalino!

Alonguemos a análise de certas situações.

O classe média, desculpe, panaca, que comprou um carro de 30 mil, pagando 1000 por mês (notem a primariedade do caso), recebendo de salário 5000 mil por mês, tem um saldo para gastar desde a geladeira até o papel higiênico de 4000 mil.

O probleminha é que o maldito carro, quando for vendido, ainda que no primeiro ano, já pegou 6000 mil e fez virar cinza, como digo na calçada.[Refer] Então, não só custa por mês 1000 pelo seu valor de saída da loja, mas também, 500 por mês mesmo que ficasse num saco plástico na garagem.

Só que o panaca em questão não tem um carro, que pelo que me consta como engenheiro, que funcione como um utópico moto contínuo, e na primeira frenagem, independente do combustível, já custou alguns centavos ao longo do mês. Na primeira mudança de marcha, outros. Nos primeiros metros de rodagem do pneu, outros.

Da mesma maneira, a rentabilíssima TV nova (peguem o sádico sarcasmo) tem seus proporcionais centavinhos em cada minuto de lazer, e assim, objeto a objeto, despesa a despesa, bem de consumo a bem de consumo.

Notemos que mudar a renda do infeliz acima para 10000 reais, ou mesmo 15000, não mudará o problema de maneira realmente significativa, só o deslocará, no tempo e em minúcias dos valores.

Obs.: Sem falar no fator tipicamente humano que naturalmente, aquele que ganha 5000 compra um vinho de “tampa de rosca”, enquanto que se ganhar 15 mil, já gastará num vinho que apenas passa a consumir porque leu num jornal que é bom, e que custa umas 6 vezes mais caro, quebrando uma proporcionalidade do consumo frente à renda – espero que o exemplo seja ilustrativo.

Os desejos se reproduzem como ervas daninhas, os recursos para sustentá-los, crescem como o carvalho.

No final, onde que os brilhantes economistas a babar ovos de uma “jenialidade” do “Margarigna” que não se sustenta sob qualquer análise deveriam se focar como máxima variável que não permite expansão da economia por consumo antes de muito esforço, ruas e calçadas pavimentadas, saneamento de pelo menos metade de esgoto que não existe e um sem número de cem campos de atividade onde somos um desastre completo?

No PIB per capita, onde passamos “porca e malmente” de 11 mil dólares, se tanto, hoje. Além disso, como gosto de dizer, irritantemente, groselha.


Tremam não só os astrólogos, mas os numerólogos, o jogadores de I-Ching e os tarólogos, pois lá vem nossos economistas, com suas falácias da parte pelo todo e seus exatismos perfeitinhos.


V

Mal termino de escrever e novamente  me chega às mãos:

Mantega vê alta de crédito sem endividar famílias - www.dgabc.com.br


envolverde.com.br


Este papinho, desculpem, um tanto desonesto intelectual ou irresponsável (qual é o pior?), de percentagem do endividamento da família sobre sua renda também é outra não muito sólida afirmação do sr. Mantega.

Uma família grega, de renda per capita de uns 30 mil dólares, quando se endivida em 1/3 de seu ano para pagar seus "papagaios" (títulos devidos, vulgo dívidas), fica com algo que é quase o dobro de nossa renda per capita.

Já nossa família média, com seus 11 mil, quando se endivida em 30%, vai ter de viver como uma família africana de um daqueles países não muito agradáveis, ou aqui perto, como os bolivianos, naquele paraíso latino americano, em pleno desenvolvimento.[Nota 1]

É claro que o nosso ilustre ministro e seus seguidores vão dizer que meu cálculo não tem fundamento, pois quem mais se endividou, com mais nefastos resultados, foi a classe média.

(A verdadeiramente alta, aceito, pouco é afetada por este panorama, aliás, até por um muito pior.)

Daí terei de perguntar de onde sairá sequer a “bolsa qualquer coisa” se a média não tiver capacidade de produzir a “lubrificação” que causa na economia, pois ela é sempre o motor da circulação do dinheiro, com seu volume e densidade de consumo. Noutras palavras: pelo visto, as classes mais baixas passarão a viver de brisa, pois seus salários para produzir e comercializar, fora serviços, para a classe média, terão virado vento.[Nota 2]

Notas

1) Jogador habilidoso de futebol, que perde a perna em acidente pode virar alegre ator que representa saci em teatro infantil. Se perder as duas, lamento tremendamente, não tem personagem.

2) Não existe algo como almoço de graça. Mas se não tiver quem pague o almoço, o cozinheiro, o garçom, a faxineira, etc, não recebe.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Das vantagens da compra à vista I



Stephen Kanitz em um artigo propõe um novo mandamento: "Jamais comprarás a prazo".

Eu jamais faria afirmação tão "seca". Inclusive, primeiro ponderaria, como agora está sendo feito, de determinadas compras parceladas em relação a determinados investimentos, para verificar se em cada caso realmente vale a pena a compra à vista (exatamente pois o desconto oferecido, num preço limite apresentado, não vale a pena frente a desmobilização de um capital de um determinado investimento).

Porém, sempre defenderia que uma compra a prazo só tem nexo, "banalmente", para bens com alguma capacidade de retorno, com meu sempre preferido exemplo de uma máquina de costura comparada com uma televisão de mesmo valor. Uma máquina de costura é um bem de capital para uma senhora costureira, uma televisão, apenas um bem de consumo, para qualquer um, excetuando-se os raros casos de ser colocada num bar, por exemplo, para atrair clientes. Mas acredito que os simplíssimos exemplos foram aqui bem entendidos.

Alguns argumentam que o endividar-se produz motivação para o trabalho, visando cobrir o débito (ou "lenga" parecida). Eu perguntaria por qual motivo eu teria de trabalhar a mais devido a ter de aceitar pagar juros adicionais ao preço à vista?

aldoadv.wordpress.com


Como Stephen Kanitz bem alerta, o consumo deve ser a recompensa pelo trabalho, não sua motivação. Aqui, longas leituras dos fragmentos que nos sobraram dos filósofos cínicos (como Diógenes) deveriam ser obrigatórias em nossas escolas. O TER nunca pode ser satisfeito, apenas o SER. E o SER independe do que podemos chamar, pelos parâmetros atuais, de um termo um tanto corrompido, o "consumo".

Mas tem,os sido compelidos à trocar o tempo de continuarmos sem uma televisão (ou com um de 29 polegadas de "tubo", ainda perfeita em seu funcionamento), por uma de 40 polegadas de LCD, AGORA.

Claro que este tempo custa dinheiro, e exatamente pelo que o mercado quer cobrar do dinheiro que tomamos por este tempo.

Vejamos uma compra dita "muito bem feita" de uma televisão de 900 reais em 12 prestações, com juros "módicos" de 1,9% ao mês:


Valor a VistaR$ 900,00Taxa de Juros1,9%
MêsJurosPrestaçãoSaldo
117,1084,58832,52
215,8284,58763,76
314,5184,58693,69
413,1884,58622,29
511,8284,58549,53
610,4484,58475,39
79,0384,58399,85
87,6084,58322,86
96,1384,58244,42
104,6484,58164,48
113,1384,5883,03
121,5884,580,02
Total PagoR$ 1.014,96
Diferença em rel. ao à vistaR$ 114,96


Deixei até um "saldinho de troco" para o cliente.

Comparemos com uma capitalização em uma muito mal remunerada poupança de 0,5% de rendimento ao mês.


Dep. InicialR$ 0,00Taxa de Juros0,5%
MêsRendimentoDepósitoSaldo
10,0084,5884,58
20,4284,58169,58
30,8584,58255,01
41,2884,58340,87
51,7084,58427,15
62,1484,58513,87
72,5784,58601,02
83,0184,58688,60
93,4484,58776,62
103,8884,58865,09
114,3384,58953,99
124,7784,581.043,34
Total DisponívelR$ 1.043,34
Saldo após compraR$ 143,34


Percebe-se que sobrou até para comprar um DVD player de alguma qualidade.

Observe-se também que já ao 11° mês, tem-se o capital com folga para comprar a televisão.

Sem falar que restaram ainda uma diferença de uns 28 reais em relação de "conta corrente" e outra.



Precisa se explicar alguma coisa além de que paciência é só o que necessita-se?


Na próxima blogagem, continuo este tema, em outros detalhes.


Sugestão de leitura


Stephen Kanitz; Compre sempre à vista ; Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1742, ano 35, nº 10, 13 de março de 2002, página 20.



Extras

jornalpp.com.br

Não poderia dar noutra coisa, considerando-se, em delírio, que (1) o mercado sempre estará em expansão, que (2) as pessoas continuarão refratárias a achar que ao comprar um bem de depreciação de 20% ao ano, não terão após um ano que desembolsar estes mesmos 20% para repô-lo, que (3) as pessoas continuarão fugindo da realidade em que gastar 2 horas no trânsito custa o mesmo que gastariam se fossem em ideais 20 minutos para seu trabalho apenas considerando-se a distância e a velocidade, que (4) uns 9 reais por dia, uns 270 por mês, por exemplo, serão convertidos em algo minimamente parecido com "economia" quando passassem a ir em seu carro próprio, etc.
Não necessito lembrar que estas diminuições de produção/venda acarretarão demissões, reduções de jornadas (a começar, mesmo sem as demissões, pelas diminuições das horas extras, aquelas que foram acrescidas até para pagar compras feitas a prazo) e todo um "efeito dominó" na economia.

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