segunda-feira, 2 de junho de 2025

Algumas obviedades econômicas - 11

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O Crescente Fardo da Infraestrutura: Uma Analogia Econômica

O dilema das baterias de relógio  


Gemini da Google e Francisco Quiumento


Quanto mais relógios possuímos, maiores são os gastos com baterias, embora apenas um deles possa ser utilizado para medir o tempo em um dado momento.

Observação: A natureza do mecanismo dos relógios – sejam eles movidos a bateria ou automáticos, por exemplo – não altera a essência desta analogia. Relógios automáticos também demandam manutenção crescente, e o número de peças de reposição aumenta de forma similar. A analogia poderia ser expandida para uma coleção de carros ou qualquer outro bem durável. Existem, inclusive, analogias que exploram o dilema da crescente disponibilidade de bens, como panelas, que eventualmente exigem armários maiores e, consequentemente, cozinhas maiores. Em suma, a percepção central é que o aumento da quantidade de bens, e por extensão, a demanda por recursos de infraestrutura, não se traduz automaticamente em geração de riqueza proporcional.


A aparente simplicidade do dilema das baterias de relógio encerra uma profunda analogia com os desafios econômicos enfrentados por nações que investem massivamente em infraestrutura. Imagine um cenário onde a posse de múltiplos relógios, cada um exigindo suas próprias baterias, acarreta um aumento direto e contínuo nos gastos de manutenção. Contudo, apesar da proliferação de instrumentos de medição do tempo, a capacidade de uma única pessoa de utilizá-los simultaneamente permanece limitada. Essa disparidade entre o custo crescente da manutenção e o benefício marginal decrescente de cada unidade adicional espelha um problema crucial no desenvolvimento de infraestruturas em larga escala.

Ao substituirmos as modestas baterias de relógio pelos vultosos custos de conservação e operação de pontes, estradas, viadutos, linhas férreas e material rodante, a analogia ganha uma dimensão macroeconômica. Um país que embarca em um ambicioso programa de construção de infraestrutura, tal como a China tem feito nas últimas décadas, inevitavelmente se depara com o ônus crescente da manutenção dessa vasta rede. Embora o investimento inicial seja fundamental para impulsionar o crescimento, a conectividade e a modernização, a sustentabilidade a longo prazo dessa infraestrutura depende de sua utilização eficiente e da capacidade de cobrir os custos inerentes à sua existência.

O cerne da questão reside no potencial surgimento de retornos decrescentes. Nem toda via expressa está congestionada a todo momento, nem toda linha de trem opera com sua capacidade máxima ininterruptamente. Assim, o custo de manter e operar uma infraestrutura extensa pode, em determinado ponto, superar o benefício marginal adicional que ela proporciona. Para a China, com seu investimento sem precedentes em infraestrutura, o desafio reside em garantir que essa rede seja utilizada de forma otimizada e que os custos contínuos não se tornem um fardo excessivo para a economia. A capacidade de gerar demanda suficiente para justificar a escala da infraestrutura construída e a implementação de estratégias eficientes para cobrir os gastos de manutenção são cruciais para evitar que o que foi um motor de crescimento se transforme em um peso econômico significativo.

É importante notar que os desafios enfrentados pela China não são inéditos. O “milagre econômico brasileiro” nas décadas de 1960 e 1970 também testemunhou um grande investimento em infraestrutura, como estradas e hidrelétricas. No entanto, a falta de planejamento de longo prazo para a manutenção adequada, o endividamento crescente para financiar esses projetos e, em alguns casos, a capacidade ociosa da infraestrutura construída, contribuíram para problemas econômicos posteriores. Assim como a China hoje, o Brasil daquela época precisou lidar com o fardo de manter uma vasta infraestrutura que nem sempre gerava o retorno econômico esperado, ilustrando como um investimento inicial massivo pode se tornar um desafio fiscal se a utilização e a sustentabilidade não forem cuidadosamente consideradas.

A analogia das baterias de relógio, portanto, ilumina a complexa equação entre o investimento em ativos de longo prazo e a necessidade de garantir sua sustentabilidade e eficiência ao longo do tempo, lições que podem ser extraídas tanto da experiência brasileira quanto da atual trajetória chinesa.

Extra

O Milagre Econômico Brasileiro: Ascensão Rápida, Queda Dolorosa

O Milagre Econômico Brasileiro, vivenciado entre 1968 e 1973 sob a ditadura militar, foi um período notável de crescimento acelerado, com o PIB crescendo a uma média de 11% ao ano. Impulsionado por robustos investimentos públicos e uma forte expansão industrial, o país viu a geração maciça de empregos, o que contribuiu para a redução do desemprego e uma sensação de euforia econômica. Contudo, essa fase de dinamismo veloz já apresentava sinais de desequilíbrio, com uma crescente dependência do capital estrangeiro e o início de um aumento significativo da dívida externa, que saltou de 3 para 12 bilhões de dólares, além de uma inflação persistente.

Apesar dos indicadores macroeconômicos positivos, o "milagre" não se traduziu em melhoria para todos. Houve um notável aumento da concentração de renda e da desigualdade social, agravada por um arrocho salarial que reduzia o poder de compra da população. O fim desse ciclo veio abruptamente com a crise do petróleo de 1973, que elevou drasticamente os custos de importação e expôs a fragilidade da economia brasileira. O cenário internacional se deteriorou ainda mais com o aumento das taxas de juros, dificultando o refinanciamento da dívida externa. Assim, o modelo de crescimento baseado no endividamento massivo e em investimentos públicos insustentáveis ruiu, culminando em uma crise econômica que também contribuiu para a posterior crise política e a redemocratização do país.

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