sexta-feira, 31 de outubro de 2025

A Complexa Resiliência da Economia Americana

Entre a Inovação e o "Make America Great Again"

Introdução: O Mito do Declínio e a Controvérsia de Trump

O debate sobre a economia dos Estados Unidos (EUA) é frequentemente polarizado pela retórica política, como o slogan "Make America Great Again". A tese de que os EUA estariam em declínio e teriam sido "explorados" por seus parceiros globais é o ponto de partida para a discussão. No entanto, uma análise dos dados econômicos e das tendências estruturais revela uma realidade mais matizada: a economia americana demonstra uma resiliência e um dinamismo superior ao de seus pares desenvolvidos, mas enfrenta o desafio de equilibrar a vanguarda tecnológica com a estabilidade social.


O Fato Físico: Crescimento Superior ao G7

A refutação mais forte à narrativa de declínio reside nos dados de crescimento. O Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA tem superado consistentemente a expansão média do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido) nas últimas duas décadas. Esse desempenho superior indica que, em termos agregados, a economia americana não está em declínio relativo, mas sim consolidando sua posição como a maior e mais dinâmica entre as nações ricas.

O argumento de que os EUA se beneficiaram de seu papel como provedor confiável de bens públicos globais (garantia de navegação, estabilidade do dólar, regras de comércio) é crucial. Esse sistema multilateral pós-Segunda Guerra, estabelecido pelos próprios EUA, atraiu capital, inovação e confiança, atuando como um "seguro" para o crescimento americano e global. As ações unilaterais e as políticas de tarifas, portanto, representam um risco, pois ameaçam desmantelar a estrutura que historicamente sustentou esse desempenho superior, introduzindo incerteza.

A Transição Estrutural: Desindustrialização como Evolução

A aparente "desindustrialização" americana é um ponto-chave de divergência na interpretação econômica. Embora seja um fato que a participação do emprego na manufatura tenha caído, isso não é um sinal de fraqueza, mas sim de maturidade e avanço tecnológico. A produção industrial tornou-se mais eficiente e intensiva em capital, enquanto o foco do crescimento migrou para os serviços de alto valor agregado e indústrias de ponta.

Nesta ótica, a economia dos EUA se caracteriza como uma economia da 4a Revolução Industrial, concentrando-se em:

  1. Inovação e Propriedade Intelectual: Liderança em áreas como Inteligência Artificial (IA), biotecnologia, software e semicondutores (design).

  2. Produtividade Aumentada: Uso intensivo de automação e robótica nas plantas de produção remanescentes.

Esta transição gera uma vantagem competitiva estratégica ao permitir que o país concentre seus recursos em setores de maior rentabilidade e domínio tecnológico global.

A Contratendência: Reindustrialização Estratégica e Energia Barata

Contudo, a economia americana não é puramente etérea. Recentemente, observou-se uma contratendência de reindustrialização (reshoring) em setores estratégicos, impulsionada por dois fatores:

  1. Resiliência da Cadeia de Suprimentos: Lições da pandemia e a geopolítica motivaram o retorno da produção de bens essenciais e de alto impacto (como chips e baterias) para garantir a segurança nacional e a resiliência econômica.

  2. Vantagem Energética: A revolução do shale gas proporcionou um suprimento abundante e barato de gás natural. Esta oferta atrativa de energia tem tornado os EUA competitivos para indústrias intensivas em energia, como a petroquímica e a cerâmica, demonstrando que a "fábrica máquina" tradicional pode, e está, retornando onde há vantagem comparativa.

Conclusão: O Desafio da Instabilidade Política

Em síntese, a economia americana é um farol de crescimento e inovação no mundo desenvolvido. O desafio não é puramente econômico, mas sim político e social. A desindustrialização, embora estruturalmente benéfica em termos de eficiência e tecnologia, criou descontentamento social e regional que alimenta movimentos populistas. O verdadeiro risco, como argumenta Maílson da Nóbrega, reside no potencial de que ações políticas caóticas — uma resposta eleitoral à desindustrialização— possam destruir a confiança global e o sistema multilateral que, paradoxalmente, foi a principal fonte de prosperidade e resiliência dos Estados Unidos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

“AInvasão” do mercado de mídia

Um Palpite Corajoso: Onde a IA Reconfigura o Mercado e as Big Techs se Tornam os Novos Oligopólios da Criação

Gemini da Google e Francisco Quiumento

A análise sobre a colossal valorização da indústria de Inteligência Artificial (IA) revela mais do que a justificação de um "valor fundamental"; ela aponta para uma reconfiguração radical do poder de mercado, especialmente no setor de conteúdo e mídia. O cenário mais amplo, direto e corajoso é que as Big Techs se tornarão as novas editoras, gravadoras e estúdios de cinema e televisão.

Essa projeção não é mera especulação, mas a conclusão lógica da capacidade da IA de atuar como uma Máquina Universal de Produtividade, eliminando as estruturas de mediação tradicionais.

1. A Absorção da Cadeia de Valor

Historicamente, o mercado de conteúdo dependia de uma longa cadeia de valor que envolvia financiamento, curadoria, produção técnica e distribuição (autores → agentes → editoras/estúdios → distribuidores). A IA simplifica e absorve essas etapas, centralizando o processo.

  • Obsolescência da Ferramenta e do Intermediário: A capacidade da IA de gerar conteúdo de alta qualidade — desde uma peça gráfica a um texto complexo — com um custo marginal próximo de zero, elimina a necessidade de domínio técnico de softwares e, crucialmente, torna o intermediário tradicional (o estúdio que monta a equipe, a editora que financia o livro) economicamente redundante.

  • O Valor da Infraestrutura: As Big Techs já controlam as duas pontas essenciais: a infraestrutura de IA (o motor) para criar o conteúdo e a rede de distribuição (o canal) para entregá-lo ao consumidor (YouTube, streaming, e-commerce, etc.).

2. A Monetização da Personalização em Massa

A força motriz por trás dessa verticalização é o potencial de monetização. A IA permite ir além da criação de um produto genérico; ela permite a produção sob demanda e a personalização em massa.

A pergunta crucial não é se a IA pode criar, mas sim: Quanto valerá o mercado de mídia, que passará a oferecer música sob encomenda, imagens decorativas sob demanda, vídeos e até séries inteiras de TV, ou a simples e milenar literatura, entregues instantaneamente ao gosto individual dos consumidores?

O valor é incalculável. A Big Tech, ao deter o poder de gerar milhões de conteúdos perfeitamente adaptados e instantâneos, torna-se a única entidade capaz de capitalizar sobre a demanda individualizada em escala global.

3. O Fim do Oligopólio Tradicional de Mídia

Ao se tornarem produtoras (via IA) e distribuidoras (via plataformas), as Big Techs não apenas competem com estúdios e editoras tradicionais, mas os tornam obsoletos, redefinindo o conceito de oligopólio:

Setor Tradicional

O Oligopólio se Torna...

O Poder da Big Tech

Editoras Literárias

Produtoras de Literatura por Prompt

Controle da criação, edição, distribuição e precificação de conteúdo textual personalizado.

Estúdios de Cinema/TV

Fábricas de Séries e Filmes por Demanda

Geração de roteiros, vozes, atuações sintéticas e distribuição direta via plataformas de streaming.

Gravadoras Musicais

Fábricas de Música Sob Encomenda

Geração de faixas, licenças e distribuição direta para o consumidor final em plataformas como Spotify/Apple Music.


Conclusão: O cenário final é o da centralização total da produção e distribuição de conteúdo nas mãos de poucas empresas que detêm o controle sobre o meio de produção mais eficiente do século XXI: a IA. Essa é a manifestação mais direta e imediata de como a busca por produtividade e lucratividade na era digital, discutida em nosso primeiro ensaio, se materializa na redefinição do poder e da riqueza global.

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A Perspectiva da Bolha na Indústria de IA

Valor Fundamental ou Excesso Especulativo?


Gemini da Google e Francisco Quiumento

A colossal valorização de mercado das Big Techs e os investimentos maciços em centros de processamento de Inteligência Artificial (IA) levantaram o espectro de uma "bolha tecnológica", já apontada como sendo “17 vezes maior que a das empresas “.com””. Embora a escala dos valores seja inegável, a tese de que estamos diante de uma simples bolha especulativa falha em reconhecer o valor fundamental e estrutural que a IA representa.

A chave para entender essa valorização passa pelos fundamentos da computação, que remontam a Alan Turing.

1. O Fundamento: A IA como a Máquina Universal Potencializada

A IA de hoje não é um software de nicho, mas a realização do conceito de Máquina Universal de Turing. Se um computador é, em princípio, capaz de emular e substituir qualquer outra máquina ou processo algoritmizável, a IA leva essa capacidade a um novo patamar:

  • Motor Central de Evolução: A IA está posicionada para se tornar a central de controle e o motor de evolução de todas as outras tecnologias e máquinas. Ela não apenas otimiza tarefas existentes, mas tem o potencial de solucionar problemas complexos que o intelecto humano não conseguiu resolver, ou até mesmo desafios cuja existência sequer foi identificada.

  • O Maior Ganho de Produtividade da Atualidade: Se a IA é a tecnologia que pode desbloquear o próximo nível de eficiência e riqueza, os investimentos colossais atuais representam o custo de aquisição do futuro e não uma especulação irracional.

2. A Pista do Capital Conservador

O endosso do capital mais estratégico e conservador do setor digital reforça a tese de valor fundamental. A decisão de figuras como Larry Ellison (Oracle) de investir maciçamente, e até com alavancagem, em infraestrutura de IA não é um movimento trivial.

Para que líderes acostumados à estabilidade e a receitas previsíveis assumam um risco financeiro dessa magnitude, a convicção no retorno da IA deve ser vista como estrutural. A Oracle e outras Big Techs enxergam a infraestrutura de IA (os clusters de alto desempenho e GPUs) como o novo utility (serviço essencial) da economia global, e estão correndo para dominar as fundações desse novo ecossistema.

3. "Palpites" Imediatos: A Disrupção da Produtividade Intelectual

Os resultados mais imediatos da IA já demonstram o seu valor fundamental, redefinindo o custo e a escala da produção intelectual e criativa:

Hipótese (Setor)

Antes da IA

Com a IA (Geração de Valor)

Criação e Arte Digital

Dominar softwares complexos (Photoshop, Illustrator) exigia horas de trabalho técnico para tarefas simples (ex: criar um objeto gráfico).

Um simples prompt de linguagem natural gera resultados de alta qualidade em segundos. A IA absorve a funcionalidade do software, tornando a ferramenta obsoleta e transferindo o valor do domínio técnico para o domínio conceitual.

Escrita e Produção Intelectual

A fase de organização e estruturação de ideias era o maior gargalo, lenta e sujeita a "vícios" criativos e estruturais.

A IA atua como um catalisador de pensamento e engenheiro de estrutura, transformando rascunhos em textos ricos em detalhes e coesos em uma fração do tempo. A produtividade intelectual é multiplicada, pois o humano gasta menos tempo lutando com a forma e mais tempo aprimorando o conteúdo.


Em ambos os casos, a IA está provando ser uma Máquina Universal de Produtividade, reduzindo o custo marginal da criação a quase zero e multiplicando a eficiência do trabalho intelectual. Isso levanta uma projeção de valor inevitável: Quanto valerá o mercado de mídia, que passará a oferecer música sob encomenda, imagens decorativas sob demanda, vídeos e até séries inteiras de TV, ou a simples e milenar literatura, sem falar no óbvio universo dos videogames, entregues instantaneamente ao gosto individual dos consumidores? O potencial de monetização da personalização em massa é o verdadeiro motor de crescimento por trás da valorização da IA.

Conclusão: A valorização da indústria de IA não é uma bolha especulativa, mas uma corrida para capitalizar sobre a tecnologia com o maior potencial de disrupção e geração de riqueza desde a internet. O valor não está na promessa vaga, mas na capacidade real e imediata de transformar a produção intelectual e a infraestrutura de todas as máquinas.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Economia, Computação

e o Risco do Crescimento Insustentável do Mercado Financeiro

Gemini da Google e Francisco Quiumento

O debate sobre a saúde da economia global exige que se examine o papel paradoxal da tecnologia digital e o risco representado pela hipertrofia do mercado financeiro. A discussão se articula em torno de uma contradição fundamental: a crescente produtividade no setor real versus a explosão de valor no setor financeiro, que se descola cada vez mais da base material.

1. A Contradição Digital: Onde a Produtividade se Torna um Limite

O economista Yanis Varoufakis, ao tratar do que chama de "Tecnofeudalismo", argumenta que a capacidade da computação e da internet teve um efeito muito mais intenso em hipertrofiar o mercado financeiro do que em impulsionar ganhos de produtividade na indústria.

A evidência reside em um paradoxo da eficiência:

  • Produtividade Máxima no Setor Real: A produção de bens físicos ("reais") atingiu um patamar de altíssima eficiência, onde, graças ao aperfeiçoamento de maquinário, poucas fábricas conseguem atender a demanda global para produtos essenciais (como exemplificado pelo caso das lâmpadas incandescentes*). A tecnologia na indústria simplificou a produção, mas a lei de mercado impõe que essa crescente produtividade tem permanentemente reduzido os preços e estreitado as lucratividades desses produtos.

  • Aceleração no Setor Financeiro: Em contraste, a velocidade de transação de títulos, a geração de derivativos (CDOs, CDSs) e a criação de serviços complexos no mercado financeiro foram expandidas exponencialmente pela tecnologia digital.

2. O Sintoma Financeiro: O Parasita "Bombado"

A hipertrofia do mercado financeiro – cujo valor supera o da economia "clássica" – é, antes de tudo, o sintoma de uma crise estrutural na esfera da produção.

Conforme apontado por outro ângulo de análise, a causa reside na crise de superprodução: o capital, com sua produtividade gigantesca e saturado de mercadorias que não encontram novos mercados lucrativos (com lixo até no espaço), é forçado a migrar para onde pode obter valorização mais rápida.

O capital especulativo, que Vladimir Lênin descrevia como "parasitário" em relação à produção, se transformou em um "parasita hipertrofiado". O papel da computação é ser a ferramenta que possibilitou essa mutação, permitindo a criação e o comércio de instrumentos financeiros de complexidade e alavancagem sem precedentes.

O resultado é um risco sistêmico que não diminuiu desde a Crise de 2008 (conforme retratado no filme A Grande Aposta). A tecnologia digital não apenas lubrificou a circulação de capital, mas a transformou em um fim em si mesma, desvinculando o valor financeiro do valor produtivo de forma perigosa.

3. A Perspectiva da Longa Depressão

Para economistas empíricos que aplicam a análise marxista, como Michael Roberts (autor de The Long Depression: Marxism and the Global Crisis of Capitalism), essa hipertrofia financeira é uma das expressões da mais longa depressão da história do capitalismo.

Desde a Crise Financeira Global de 2008, as principais economias têm apresentado crescimento anêmico, baixa taxa de investimento produtivo e estagnação na taxa de lucro. A "Lei da Tendência Decrescente da Taxa de Lucro" – onde a lucratividade do capital produtivo é permanentemente espremida – empurra o excesso de capital para a esfera financeira em busca de retornos especulativos.

Em suma, a instabilidade global reside no fato de que a riqueza está sendo acumulada cada vez mais na forma de capital fictício (alavancagem e derivativos) e rendas da nuvem (controle de plataformas e dados), em vez de ser investida no capital produtivo “material”, palpável. Essa inversão coloca a economia real refém de um sistema financeiro hipertrofiado e especulativo.

Notas


*As lâmpadas incandescentes, no auge do seu uso, eram produzidas na sua faixa mais típica de potência, entre os 25 e 100 Watts, em apenas 6 (seis!) fábricas no mundo inteiro. A capacidade de produção do maquinário era tão alta que bastavam estas estruturas industriais para abastecer o mercado. Isso tinha sido fruto de evolução da produção desde os tempos de Edison, e não propriamente de algum incremento oriundo da informática.