terça-feira, 31 de maio de 2011

Bolhas no horizonte

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Em conversa ocasional num balcão de bar em Campinas, há aproximadamente um ano, com senhora relativamente idosa, esta me apresentou a visão que tinha da situação econômica da atualidade, em especial quanto ao negócio do filho, uma revenda de automóveis importados usados.

Ela observava que dificilmente se via quem realmente 'tinha dinheiro', pois com exceção dos raros clientes (comentário complementar meu a argumentação dela) que em qualquer parte do mundo chegam com, digamos, 300 mil reais e escolhem um carro, como uma Mercedes, e pechincham para pagá-la a vista, coisa que ocorre em qualquer lugar do mundo (pois há altamente capitalizados - 'ricos', no popular - em qualquer país, mesmo pobre, do mundo), dificilmente saía-se do modelo do "financiamento em longas prestações".

O mesmo se observa para imóveis.

Uma pequena amostra do que considero a "loucura da construção" na zona sul de São Paulo, foto "roubada", assumo, curiosamente de um anúncio de venda.


Mais detalhadamente, chegamos a conclusão que, no caso dos imóveis, que concordo que é mais complexo, o comprador deve para a incorporadora/construtora, esta deve para os fornecedores e prestadores de serviço, estes devem para os grandes fabricantes de materiais e invariavelmente, todos devem para os bancos, que surpreendentemente, aplicam as poupanças de milhões de poupadores que na verdade, financiam o governo nos seus títulos, às mais altas taxas reais de juros do mundo, e este mesmo governo, curiosamente (e diria perigosamente) deve para todos que em seus títulos colocam dinheiro.

Mas este processo, assim cortado no tempo, já problemático, em sua evolução no tempo, apresenta mais alguns detalhes que diria que apenas pioram a situação.

A questão é que a medida que se financia bens a longo prazo, mais tempo tem-se de aguardar para o retorno, pois é óbvio que fora os juros, num financiamento de imóvel em 20 anos, só se terá retorno do capital a 1/20 por ano.

O problema é que tal volume de venda de bens de alto valor a prazo já está gerando o incômodo de investidores e de certamente, a perda de liquidez dos bancos.

Recentemente, o jornal Valor Econômico tem tratado a questão com destaque de primeira página:

Daniela D'Ambrósio e Fernando Torres; Investidores estão de olho no caixa das construtoras; 18/05/2011

A questão é muito bem analisada, e com muito mais propriedade do que eu o poderia fazer, neste artigo:

Leandro Roque; A bolha imobiliária brasileira; Instituto Ludwig von Mises

Para manter o sistema "vivo", é óbvio que os preços tem de subir (para compensar, imediatamente, os poucos 1/20 a cada ano dos 20 anos de alongamento da quitação do imóvel). É também óbvio que num momento, o próprio preço elevado fará com que menos pessoas comprem os bens*, e mais óbvio ainda que neste momento, seu preço cairá e evidentemente a até possibilidade de lucro nas operações de financiamento não serão sustentáveis.**

Neste momento, o sistema como um todo colapsará.***

*Até pelo motivo que veremos adiante e geralmente percebemos que a capacidade de endividamento da população brasileira se aproxima de um limite crítico.

**Já se percebe claramente que determinadas construtoras entregam imóveis até sem portas em determinados quartos, com a piscina do condomínio incompleta e com detalhes de acabamento que não foram os inicialmente apresentados, tudo, a menos que eu esteja terrivelmente enganado, na vã esperança de adiantar os recebimentos necessários ao seu fluxo de caixa.

*** Como toda bolha, reza a teoria, ganhará muito quem manter-se até o momento crítico, e menos perderá que sair no momento exato da mudança de inclinação da curva.

O mesmo para automóveis, e como já mostrei, o emaranhado de relações que obrigam o governo a fomentar o consumo não se sustentará. Como sempre repito, tão clara e inexoravelmente quanto isso.

Na verdade, o mesmo problema se evidencia até a escala de financiamento da dívida pública (questão que também pode ser analisada por por outros números).

Mas acredito que sofro, assim como muitos, da maldição de Cassandra, pois seguidamente me pego não só conversando com sensatas idosas, mas com economistas e administradores, e chegamos a mesma conclusão, e como um destes me disse, "parecemos dois malucos acham que enxergaram a questão", e percebemos que "a coisa não pode terminar bem".

Cassandra - Evelyn De Morgan.


Mas enquanto como maluco tentando resolver todos os problemas mais graves da nação tomando cerveja em balcão de bar, abordemos outro problema menor, e nem tanto, que na verdade é onde se originará o acima apresentado e outros muito maiores.

Digamos que um típico casal de boa renda, paulistano típico, ele com salário líquido de 20 mil reais, ela com salário de 15 mil (nada mais incomum na nossa sociedade que tende a dar cargos um tanto mais altos na média para homens). Esta renda de 35 mil, cobre, imediatamente, o financiamento em, digamos, 200 prestações (banais 16 anos) de um apartamento de 1 milhão de reais (nada mais incomum, no caso) que desconsiderados os juros resultam em 5 mil reais por mês (caeito variações de um imóvel mais barato, desde que meus antagonistas em argumentos coloquem os juros). Acrescentemos a isto as prestações de dois bons carros para o casal, mais um carro para o filho mais velho, bons gastos com escolas e universidades, cursos do próprio casal, despesas com os próprios empregos, mais gastos de qualidade em supermercados e vestuário, sem falar em lazer, viagens, refeições de final de semana, etc.

Lembremo-nos dos necessários planos de saúde e seguros, lembremo-nos dos indispensáveis planos de previdência.

Nem necessito apresentar números. Basta mostrar que por 16 e tantos anos, a família estará presa a este imóvel de maneira inflexível e inquebrantável, que consideraremos aqui como o maior de seus custos fixos, a mais significativa de suas despesas, que não necessariamente pode vir a ser, e pelos seus padrões, na verdade desmedidos, ao acrescentar a simples prestação de uma nova TV desejada, não conseguirá cobrir seus gastos com sua renda, e aqui de forma alguma somamos juros a serem pagos em todos estes parcelamentos.

Neste momento, desta compra desnecessária que não poderia ser suportada pelas receitas, começarão os problemas desta família, da incorporadora do imóvel, do banco, e finalmente, do estado que de todos necessita financiamento.


Extras

Finalmente visitei, até por interesse em marketing do ramo, somado a quase uma curiosidade mórbida, diria, o magnífico shopping Cidade Jardim.

Sua concepção é realmente superior a todos os demais espaços concorrentes, até por sua decoração inigualável e cuidadosamente planejada. Porém, como todo empreendimento para "ricos" no Brasil (chegando a dificultar, sejamos sinceros, quem nele queira chegar de ônibus ou a pé, e mesmo a entrada de quem não estiver de carro*4), não consegue fugir da proximidade de favelas, como pode-se ver na imagem abaixo. Nem preciso lembrar que está de frente para o poluidíssimo e mais que mal cheiroso rio Pinheiros, usado como uma imensa cloaca de grande parte da região sul de nossa maior cidade. Isto, no final, é o que nos separa dos países desenvolvidos. Como certa vez disse Chico Anysio, com seu personagem "Profeta", não é a questão que existam panelas vazias, mas que existam panelas bem mais cheias do que outras.



*4.Curiosamente, os mais belos espaços de venda em grande superfície do Brasil, incluindo o já clássico Iguatemi da Faria Lima, ou o que considero mais belo (gosto não se discute, só se lamenta), que é o Pátio Higienópolis, recebem seus visitantes a partir da calçada, como os novaiorquinos referiam-se à Pennsylvania Station, uma simples estação de trens, "como deuses", ou ainda citando por filosofia, a lendária loja Neiman Marcus, onde "qualquer um com dinheiro pode comprar, e sempre há o que comprar por mais dinheiro que se tenha".




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