segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Quem casa ainda quer casa

Anotações sobre o déficit habitacional




Números apresentados na imprensa revelam um déficit existente de 5 milhões de moradias e uma necessidade de 1,2 milhão de moradias novas por ano para o Brasil atender sua população crescente. Este segundo número é formado com as famílias ingressantes no mercado de habitações, conjuntamente com o crescimento da população propriamente dito*.

* Explico: uma família formada por um casal e dois filhos, digamos adolescentes, ocupa uma casa. Outra família similar, ocupa outra casa. Os filhos destas famílias, ao amadurecerem, passarão a necessitar de mais uma residência, independente de tais famílias aumentarem ou não o número de seus constituintes.

Considerando um abatimento de 500 mil moradias do déficit para, portanto, sua anulação em 10 anos, e atendendo-se a demanda, se chegaria a 1,7 milhão de moradias a serem necessariamente construídas pelos próximos 10 anos.

Devemos ter em conta que nas cidades, crescentemente temos tomado ou área de produção agrícola, hortifrutigrangeira, ou áreas de preservação ambiental (se não são, até deveriam ser) para a construção de habitações. E quem habita, segundo me consta, trabalha, e necessita, somados aos serviços e abastecimentos diversos, dos quais depende, de áreas para prédios e instalações destes.

Abordei este problema da escala das atividades humanas, e nestes, a escala crescentes das cidades em uma blogagem de cunho científico:

A escala das nossas cidades

Aqui, esquecerei estes “pormenores” e me concentrarei na questão custos.

Podemos considerar que se solucionaria este problema com foco em economia de área pela construção de prédios, e não em imensos subúrbios distantes de pequenas casas (o que somente pelo argumento ecológico, já se faz necessário).

Assim, poderiam ser construídos edifícios de 40 andares, com 1 apto por andar, de 20 andares de 2 aptos por andar, 10 andares com 4 aptos por andar e finalmente, fechando nossos forçados exemplos, 5 andares com 8 aptos por andar.

Acredito que neste ponto já fica óbvio que em termos de habitação popular, sempre se obterá os menores custos com relativamente menores custos estruturais, e menores custos de instalações das utilidades”, no popular: “água e luz”, quando não gás. Logo, menos altura e invariavelmente, perdendo em área.

Logo, acho que fica entendido que no meio deste forçar de números surge um futuro ponto de equilíbrio no qual, para efeitos de economia do próprio, digamos município, exista um ótimo entre uma curva de custo por altura da edificação e poupar-se a área, contra um custo da unidade em função de ter-se de construir-se em mais e mais altura e os crescentes custos que isto acarreta. Noutras palavras, chegará o dia que se tornará necessário os mais pobres habitarem em torres, até para a melhor distribuição dos custos entre todos.

Mas voltemos aos nossos atuais necessários edifícios.

Teríamos, assim, um edifício médio (que expressaria muito bem a distribuição de renda brasileira) de 40 aptos por prédio. O que nos levaria a 42 mil prédios pelos 5000 municípios, ou 8 prédios por município. Tão simples e direto quanto isso seria o mercado de construção pelos próximos 10 anos. Mais altura, mais custos, a serem descarregados sobre todos, ainda que com concentrações de tal carga de despesas. Mais área, invariavelmente, mais custo para todos, independente de uma concentração da carga de custos da habitação a ser construída na família que nela habite.

Consideremos que cada uma destas unidades habitacionais (pouco importa sua “geometria” no espaço) custe R$ 20 mil. Chegaremos, assim, com um número de 5 milhões de “devidas” unidades, de R$ 100 bilhões de reais, que terão de ser distribuídos, óbvia e evidentemente, a um valor de idênticos R$ 20 mil por família até minimizados R$ 500 reais por habitante brasileiro (estimando uma população de 200 milhões - com a tristeza de aqui incluir crianças e aposentados, quando não inválidos dependentes).

Mais uma vez noutras palavras, caro leitor, potencialmente, todos nós já devemos “meia televisão razoável”, para que todos, hoje, habitemos. Pois ainda que apenas da família beneficiada por habitar tal teto saia o dinheiro para pagá-la, toda a economia brasileira terá de prover tal renda, dentro dos próximos n anos.

Já para quem “casa e quer casa”, ou apenas um lar queira, a cada ano, temos hoje de prover 1,2 milhão de unidades, aos mesmos 20 mil reais, que resultam em 24 bilhões de reais, que nos leva a 120 reais. Devemos, pois, gerar 1 celular barato este ano. Hoje. Agora

Como gosto de dizer: nada mais simples, nada mais cristalino.

Assim, finalmente, mais e mais necessitam nossos líderes de meus amigos e colegas da área da engenharia civil, da arquitetura, do urbanismo, e sempre, invariavelmente, das finanças, pois discursos vazios quaisquer que sejam, ou leis por mais bem intencionadas que sejam, vão solucionar por si, em meio aos caos natural das massas, os números simples acima.

Pois quem casa ainda quer casa, e temos, todos, de sustentar tal necessidade.

O problema do homem instruído não participar da política é acabar sendo governado por seus inferiores. - Platão



Em tempo:

I

Na mesma data da publicação desta blogagem o jornal O Estado de São Paulo publicou artigo apontando que nos próximos 14 anos o déficit habitacional alcançará números que levarão a absurdas taxas de aproximadamente uma família por hora passando a morar precária ou irregularmente na capital paulista, incluindo a ocupação de áreas de risco, o que levará o déficit habitacional de 130 mil unidades a ser multiplicado por um fator de quatro.

SP cogita Cohab com elevador contra déficit habitacional

O artigo aponta uma necessidade futura de 740 mil novas moradias até 2024, e apresenta que uma solução seria a construção de prédios populares com elevadores.

Aqui, devo apresentar o concito do que defino como “custos acessórios”. Um prédio, se possui a sempre presente escada e seus corredores, possui esta escada e corredores como consequência direta de ser prédio e ter altura. Já o acréscimo de mais andares conduz a ter como custo acessório a instalação de elevadores. Numa exemplificação simples, do mundo empresarial, a contratação de mais um vendedor interno numa empresa implica em sua mesa e um telefone, entre outros, independente de seus custos de mão-de-obra.

São também custos acessórios da construção de prédios a instalaçãod e utilidades, como água, eletricidade e esgotos, a contrução de infraestrutura, como as indispnsáveis ruas, suas calçadas e iluminação,e assim, até a urbanização completa. Logo, todo custo de uma habitação gera uma cascata de custos acessórios.

O artigo apresenta que tal conta seria repassada para o Estado e União, o que vem a coincidir com minha afirmação de que todo este custo será, inexoravelmente, distribuído pela população.

Antes de mais números, e que se repetem, apresentemos outro artigo.


II

O mesmo jornal, em 27 de setembro, apresenta e reforça noutro artigo que a cidade de São Paulo necessitará investir R$ 58 bilhões nos próximos 14 anos para evitar que o déficit habitacional atinja 740 mil unidades, o que leva a um custo de mais de R$ 78 mil por unidade, o que mesmo cortado a metade, pega os valores de nosso custo para com o déficit habitacional e multiplica por praticamente 2, nos conduzindo a termos de gastar R$ 1000 com tal necessidade.

O déficit habitacional da capital


O artigo coloca que o investimento anual tem sido de R$ 1,5 bilhão por ano, o que “empurra” para 2048 a solução para a população de baixa renda.

Seriam necessários para este déficit ser transformado em construção de residências uma área de 39 km², mas apenas dipõe-se de 17 km², o que vem também a convergir para minha argumentação de que onde antes haveriam 1000 casas, teria de se construir 500 sobrados, onde pensaríamos em 100 prédios de 3 andares, tem-se de colocar agora 50 prédios de 6 andares, e consequentemente, os acessórios elevadores e seus custos, e assim por diante.

O artigo apresenta que o programa Minha Casa, Minha Vida (que poderia, pela minha análise, se chamar também “Sua Casa, Nossa Dívida”) prevê R$ 34 bilhões para 1 milhão de residências, o que aproximadamente concorda com os custos que apresento acima.

Também o artigo apresenta que o déficit de 130 mil residências em São paulo contrasta com, somente no centro da cidade, 40 mil unidades ociosas. A questão é que tal ociosidade pode, ainda mais a futuro, esconder outro tipo de custo, o que defino como “custo acidental”, aquele similar ao empresarial do caminhão, que dando uma inocente ré, derruba a guarita da segurança, que por sua vez, não estava no seguro (o que na verdade, pouco interessa, pois seguros custam). São aqueles custos que inexoravelmente ocorrem no tempo, pois a natureza, no tempo, é perversa.

Assim, muitos destes prédios, aqui planilhados como ociosos, podem se enquadrar no condenados, e vir a fazer parte dos custos de unidades novas, com seus custos acessórios.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

De moeda em moeda

Estes dias, ao visitar determinado shopping, em determinada loja de material esportivo, deparei-me com belo tênis, de boa marca (a chamaremos de marca F) a 79,90 reais (ou valor com estes ridículos centavos sobre o algarismo 9), que arredondaremos para 80 reais.

Como este valor era pequeno, cheguei a iniciar o processo mental (e sempre o ato econômico o é) de uma compra por impulso. Mas mal iniciou, recordei-me que possuo um número significativo, diria excessivo, de pares de tênis. Mesmo sendo o valor de forma alguma pesado no meu orçamento, e como digo, requerendo apenas cortar umas 16 cervejas ao longo de uns dois ou três meses, no que ganharia até saúde, resolvi abandonar esta compra. Devemos aqui apontar que os 80 reais continuaram no meu bolso, e as cervejas, ao longo de dois ou três meses, ainda não foram bebidas.



Complementando esta história trivial, devo destacar que é observável que as diversas marcas "de topo" de calçados esportivos, as chamemos A, F, N, P e R; sempre colocam nos seus distribuidores ofertas, na atualidade, numa faixa de 150 reias. Noutras palavras, dispondo-se de 150 reais, sempre sai-se de uma loja com um tênis destas marcas líderes.

Os modelos de topo destas marcas flutuarão acima de 300 reais, e irão até 800 reais, digamos (estes valores, no que apresentaremos, pouco interessam). Então, pelo valor de 300 reais (mais que razoável), levará a que quem compra um tênis na faixa de 150 reais manter em seu bolso 150 reais (desde que, obviamente, disponha também de 300, no início do processo de compra - o primeiríssimo passo de todo projeto é a provisão).

Então, um consumidor que realize uma operação de economia banal como esta, seja em 10 ítens diferentes, seja em 10 vezes do mesmo ítem de consumo (por exemplo, 10 tênis ao longo de 5 anos, nada de anormal), 'imediatamente' , na décima compra, terá uma reserva de 1500 reais, ou, ao longo de, como colocamos, 5 anos, terá disponíveis 1500 reais, e aqui desprezaremos ganhos em juros.

Com estes 1500 reais poderá adquirir uma televisão LCD, ou um bom home theater, ou, mais que importante, qualquer coisa do valor que desejar, ou ainda mais imprtante, qualquer coisa que necessitar, seja em bens, seja em serviços.

Mas avancemos sobre trivialidades financeiras, com outro caso, a partir de um diálogo com o filho de um amigo.

Similarmente, um consumidor que possua uma moto, digamos de valor original de 15 mil reais e tenha o desejo de trocá-la por uma mais sofisticada.

Nota: Notemos que o valor, aqui, multiplicou-se absolutamente por 100, e em termos de custos, quase sempre, pouco interessa a natureza do valorado/calculado, mas sim, o valor. Noutras palavras, num cálculo financeiro, pouco interessa que sejam 100 pares de tênis ou uma moto, igualmente, serão 15 mil reais, com seus ônus certo sobre o caixa e o talvez bônus da aquisição que deste gasto resulte.

Para tal, colocaria esta moto a venda (o vulgo "dar de entrada") e financiaria outra, do dobro do valor, em digamos, 60 vezes (mais uma vez, 5 anos). Com isto, ainda que sua atual moto seja considerada como sendo nova, e valendo 15 mil reais (hipótese por si só um absurdo), ainda teria um saldo a liquidar de 15 mil reais, os quais, com misericórdia por uma contra-argumentação, considerarei que pagarão pelos 5 anos mais 50% de juros totais, elevando o preço do bem para mais 15+7,5=22,5 mil reais. Mas sejamos ainda mais misericordiosos, e coloquemos 33% de juros (no exato, 1/3 do valor pelo período), e somemos só 20 mil reais.

Notemos, rapidamente, que cobrimos 50% do valor a pagar à vista, mesmo nas hipóteses forçadas que colocamos, e ainda devemos 66% (2/3) por pagar.

Sinceramente, custo demais por tempo inútil. Então, banalmente, recomendei que o filho de meu amigo poupasse durante 5 anos, incorporasse os juros ganhos para, digamos, um tocador de mp3 (pois aqui, apresento sempre técnicas de marketing, associando um desejo com outro, visando causar, na verdade, um desejo de compra, a "angústia do não ter") e sem mínimo sacrifício sobre o projeto original - tirando, obviamente, o tempo de espera - trocasse exatamente pela mais atual moto, com o maior ganho no período, com os menores custos. Lembrando que desprezamos, sejamos honestos, a manutenção, mas lembrando que em contrapartida, uma moto nova também os terá, e se de valor mais alto, estes serão de correspondente valor mais alto. Existem variações mais intrincadas e delicadas nestes quesitos. Ou alguém, "cartesianamente", dirá que a manutenção de um fusca 1980 será sempre mais alta que um BMW do ano passado?

Recebi como alternativa, no meio deste diálogo, o argumento que poderia entrar num consórcio coligado com a revenda da moto, e ser sorteado. Claro que o alertei, que ao menos que eu esteja enganado (modo ironia ativado), aquele que é sorteado num consórcio, além de ter de pagar as taxas de administração e invariavelmente juros no tempo (e estes sempre são no tempo, e se tempo existe, sempre serão cobrados), ao ser sorteado, ainda terá de quitar o bem sorteado, pois consórcios não são loterias.

Mais saiamos dos custos, e vamos para as receitas, as fontes do caixa.

Este meu amigo, cujo filho possuia (lembrando: o convenci!) tais desejos de consumo, possui um hotel (entre outras fontes) no segmento popular, com diárias na faixa mais baixa do mercado da região, iniciando por diárias de 20 a 25 reais, por quartos com banheiro no corredor. Mesmo com negócio com bastante seletividade (embora sejamos claros, exista mercado para tudo), e operando basicamente com trabalhadores de empresas, como chamo "chão de fábrica", de manutenção e instalações, resolveu partir para uma remodelação deste negócio levando-o a quartos com banheiros individualizados, para cada quarto, seguindo orientação da secretaria da indústria e comércio da cidade em questão, para o bairro em questão. No termo, 'uma adequação'.

Para esta adequação, desativou, inicialmente, digamos 5 dos então quartos, e iniciou-lhes reformas. Esqueçamos que tal reforma implica em custos. Estes 5 quartos, a não estarem ativos, implicam em até 100 reais por dia de não faturamento, não implicando a ocupação média anterior. Considerando uma ocupação média que nos leve a 50 reais por dia, ao final de uma inatividade média de 5 quartos sob reformas durante 30 dias (um tempo até curto para um reforma desta escala) teremos um não 'caxeamento' de 1500 reais. Logo, como afirmei para este meu amigo, esta reforma, esquecendo-se 'patologicamente' os seus próprios custos, resulta no mesmo que pegar uma TV LCD e levá-la para a calçada, ateando-lhe fogo.



Logo, por todos os ângulos, as TVs de LCD podem ser compradas, assim como qualquer coisa, de moeda em moeda. Como já disse, prefiro as contas simples e claras.

Mas no que interessa estas histórias e casos "domésticos" para uma visão mais macro de economia, ou mesmo nossa vida econômico-política.

Copie os fragmentos de textos acima, substitua tênis por trens, quartos por logísticas de estradas, portos e aeroportos, acrescente 6 zeros ou mais, e terá os mesmo números e questões que flagelam o país, nos gargalos da infraestrutura, nos gastos com pagamentos de juros, que levam à incapacidade de investimento, o crescente deficit das conta públicas, os salários crescentes exigidos pelas categorias mais altas do estado, e teremos as mesmas respostas, e no não seguí-las, os mesmos problemas, e mais cedo ou mais tarde, como tratei no texto anterior, "certo dia chegará", e advirá a inoperacionalidade, que pode ser proporcional - na escala nacional - ao tênis que não se compre quando se necessite, a entrega da moto não paga, o atraso na conta de água de um pequeno hotel popular, ou, pelos mesmos zeros acrescentados, a compra de vacinas que não se efetuará, a não cessão de crédito numa compra externa, até a apreensão de uma carga, o corte de um fornecimento de uma matéria prima, ou mesmo, a exigência de imprimir-se ou digitar-se dinheiro sem correspondente riqueza gerada.

Inclui-se, aí, como iniciativa perigosa, a reativação da "conta movimento", tentando-se, por malabarismos contábeis, gerar crescimento totalmente baseado em promessas, ou crédito, como se queira, e não em fatos sólidos.



Prefiro, sinceramente, escolher não comprar um tênis (pode substituir, se a escala for a necessária, por um trem), ainda que este me agrade e implique apenas em tomar menos cervejas, por alguns meses (pela escala, pode substituir por gabinetes de senadores com dezenas de acessores). Ou, para comprá-lo, quando este for necessário, juntar moeda a moeda. E nisto, não necessitamos substituição alguma, em qualquer escala.